Page 8 - Boletim Bibliografico nº 1 2024
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A principal zona de afluência dos refugiados era a cidade de Lisboa, por aí se situar o porto de saída para a América, nomeadamente os EUA, agências ligadas
        aos transportes marítimos, as embaixadas e os consulados e os escritórios das organizações internacionais de apoio aos refugiados (judaicas e não
        judaicas). A capital e a zona do Estoril eram locais que alojavam, entre outros, refugiados, prisioneiros de guerra foragidos, industriais e comerciantes, e
        ainda agentes de ambos os lados do conflito. Os jornalistas e os agentes alemães e britânicos que passavam por Portugal, refira-se como exemplo o caso de
        Ian Fleming que esteve em Lisboa/Estoril duas vezes, eram vigiados pela PVDE.

        Na impossibilidade de todos os refugiados permanecerem em Lisboa, por tempo indeterminado, estes eram enviados para zonas de "residência fixa",
        sobretudo zonas balneares ou termais, ligadas ao turismo e que possuíam infraestruturas para o seu alojamento (hotéis e pensões). Por outro lado, o regime
        também preferia colocá-los fora da capital, em áreas onde fosse mais fácil o seu controle contando para isso com a colaboração das Câmaras Municipais. A
        fiscalização dos estrangeiros era assegurada por funcionários municipais que, mesmo se existisse uma repartição da PVDE, deveriam informar as
        autoridades sobre eventuais atividades de foro político, identificar o lugar onde se encontravam alojados, garantir que os refugiados pediam e pagavam o
        valor da renovação da autorização de residência e indicar, por estabelecimento, os estrangeiros que se encontravam a trabalhar na sequência da
        comunicação obrigatória enviada pelos proprietários de cada estabelecimento. A PVDE, que inicialmente renovava as autorizações de estadia, passou a
        conceder apenas prolongamentos de muito curta duração, a partir de dezembro de 1940. A sua concessão passou para a ser da exclusiva responsabilidade
        da polícia política que também se ocupava da política de fronteiras, temendo os refugiados que a PVDE os prendesse ou os expulsasse do país.

        No caso dos refugiados com vistos concedidos por Aristides de Sousa Mendes, estes são enviados sobretudo para locais de residência fixa, porque as
        autoridades tinham consciência que a sua concessão não teria seguido as regras oficiais estipuladas, porque em muitos casos não possuíam vistos de países
                                     terceiros ou os bilhetes de transporte para seguirem para um destino, e, por isso, a sua estadia em Portugal não
                                     seria de curta duração. Vários refugiados judeus a quem foram recusados vistos pelo Estado português, vieram
                                     para Portugal com vistos concedidos por Aristides de Sousa Mendes, residindo temporariamente em zonas de
                                     residência fixa até conseguirem vistos de saída para um país, sobretudo localizado no continente americano, e
                                     possuírem passagens de transporte marítimo.



                                     O impacto da vinda deste fluxo de refugiados vai ser significativo.
                                     Numa perspetiva económica, a sua presença era lucrativa para
                                     alguns negócios (cafés, pensões, agências de viagem e lojas),
                                     aumentando o volume de negócios fora da época balnear e termal
                                     e animando os espaços de lazer. As atividades culturais
                                     desenvolveram-se, nomeadamente na Figueira da Foz, porque
        entre os refugiados que aí viviam temporariamente encontravam-se escritores, músicos e artistas de
        espetáculo. As casas de espetáculo portuguesas conseguiam ultrapassar as proibições de trabalho impostas
        aos refugiados mediante a sua utilização em eventos com fins beneficentes. Assim, encontravam-se
        refugiados a realizarem espetáculos, concertos e exposições nas zonas de residência fixa. Uma outra maneira
        de conseguirem um rendimento consistia em darem aulas particulares de francês, inglês e ténis. Alguns
        vendiam os valores que lhes restavam. A maioria, contudo, sobrevivia com a ajuda de organizações
        internacionais. No domínio sociocultural, identificaram-se choques culturais, sobretudo ligados ao género,
        mas os refugiados influenciaram comportamentos. Espaços até então conotados como masculinos alteraram-
        se e passaram a serem locais mistos e com uma dimensão internacional. No período em que o regime
        procurava controlar e sancionar o corpo e os afetos dos portugueses, sobretudo das mulheres, o vestuário e os hábitos das mulheres estrangeiras causava
        impacto, bem como a frequência de cafés e esplanadas, o tabaco, as calças comprimidas e os fatos de banho que fugiam os padrões da moral dominante. Por
        outro lado, vários refugiados não aceitavam passivamente os padrões morais oficiais que procuravam modelar comportamentos, apesar das recomendações
        oficiais e da imprensa, nomeadamente regional.

        Direção-Geral da Educação, Direção de Serviços de Desenvolvimento Curricular - Divisão de Ensino Secundário
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