Page 7 - Boletim Bibliografico nº 1 2024
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Refugiados em trânsito em Portugal no contexto da Segunda Guerra Mundial




        Com o início da Guerra Civil de Espanha, em 1936, assiste-se a um endurecimento da política fronteiriça portuguesa. A
        partir de 1938 - ano marcado pela anexação da Áustria, pelas leis antissemitas na Itália e pela Alemanha carimbar a
        letra "J" nos passaportes de Judeus - começou-se a assistir, em Portugal, à implementação de barreiras
        administrativas através da produção de circulares que restringiam a concessão de vistos. A política antissemita de
        vários países europeus transparecia na informação transmitida pelos consulados portugueses sobre a situação dos
        refugiados judeus, e essa informação levaria o regime salazarista a tomar consciência do possível aumento do
        número de refugiados interessados em vir para Portugal. A política portuguesa relativamente à entrada de refugiados
        tornou-se então mais restritiva e mudou a regulamentação de concessão de vistos, passando a Circular n.º 10 a exigir
        vistos "de turismo" aos "emigrantes judeus", adultos e crianças, com a validade de 30 dias para entrada em Portugal,
        e tentou-se impedir a entrada de refugiados.


        A partir de 1939, Portugal começou a ser encarado como o meio de saída da Europa para o continente americano. A
        ação desenvolvida pelo Estado salazarista foi sobretudo pautada pela preocupação com o impacto interno da presença dos refugiados e não por questões de
        natureza antissemita ou que se prendiam com as relações políticas com outros Estados. Neste contexto, a Circular n.º 14 de novembro de 1939 limitaria a
        concessão de vistos aos diplomatas de carreira que eram obrigados a consultar o MNE e a PVDE para o efeito, nomeadamente quando se tratava de Judeus
        expulsos dos países de origem.
                                        O ano de 1940 mudaria os rumos político-diplomáticos de Portugal. A partir da primavera desse ano, a
                                        ocupação alemã de países da Europa ocidental e setentrional provocou a fuga massiva de pessoas e se
                                        Portugal até essa altura não era um destino atrativo para os refugiados (questões económicas e
                                        profissionais e de adaptação sociocultural) passou então a ser percecionado como um destino de trânsito
                                        que lhes permitiria sair da Europa. Entre maio e junho de 1940, a invasão dos Países Baixos, da Bélgica e da
                                        França levou milhares de pessoas a dirigem-se aos consulados portugueses, procurando um visto para
                                        atingir a única porta de saída da Europa: Portugal.

                                        Na globalidade, refira-se que o período de maior número de entradas em Portugal se inicia em meados de
                                        1940 e se estende ao ano de 1941. A 14 de junho de 1940, a Circular telegráfica n.º 23 dirigida aos consulados
                                        portugueses determinava que os consulados deveriam dirigir os pedidos de vistos de trânsito diretamente à
                                        PVDE, e não como até então ao MNE que passaria só a ocupar-se dos casos especiais, permitindo apenas que
                                        os cônsules concedessem, sem autorização prévia, vistos de trânsito aos refugiados que possuíssem o visto
                                        do país de destino, na maioria dos casos para os EUA e uma passagem (aérea ou marítima) para
                                        prosseguirem viagem. No entanto, nem todos os diplomatas portugueses seguiram linearmente as ordens do
        Estado português, uns atuando de forma discreta e pontual e outros agindo de forma mais notória, como foi o caso de Aristides de Sousa Mendes.


        A rota ibérica passou a ser o caminho de saída da Europa ocupada pela Alemanha nazi. Muitos refugiados saíram de França e atravessaram Espanha em
        meios de transporte variados (comboio, camioneta, carro e bicicleta) e a pé. Para os que não tinham os documentos necessários a solução passava por
        escalarem os Pirenéus para evitarem os postos de controle.

        Para os refugiados em trânsito, o tempo de permanência em Portugal dependia, muitas vezes, da sua situação financeira, sendo que os refugiados que
        ficavam mais tempo eram aqueles a quem se tinha acabado o dinheiro ou os apoios. O outro condicionalismo consistia no transporte para o país de destino. A
        saída processava-se através de navios e para os mais abastados por avião. Os transportes existentes, no entanto, não conseguiam responder ao afluxo de
        refugiados que entravam em Portugal pelas fronteiras terrestres e por via marítima ou via aérea.
        Os custos com a maioria dos refugiados eram suportados essencialmente por agências judaicas americanas de apoio, articulando, em muitos casos, com a
        Comissão Portuguesa de Assistência aos Refugiados da Comunidade Israelita de Lisboa e também com a Cruz Vermelha Portuguesa no apoio aos refugiados e
        na assistência a grupos de crianças que passam em trânsito por Portugal e que ficavam a residir temporariamente essencialmente em Lisboa e na zona do
        Estoril.
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